Greve dos 300 mil foi escola de sindicalismo
KIYOMORI MORI - da Folha de S.Paulo
Foi na tarde da quarta-feira, 18 de março de 1953, que chegou o aviso: numa passeata chamada de "Panela Vazia", 60 mil pessoas saíram pacificamente da praça da Sé rumo ao palácio Campos Elíseos (antiga sede do governo estadual), exigindo reajustes nos salários.
Uma semana mais tarde, eclodiria uma das mais importantes greves da história do sindicalismo, a "Greve dos 300 mil", que paralisou São Paulo.
"Foi uma verdadeira escola para o movimento sindical", define Paul Singer, 71, atual secretário Nacional de Economia Solidária, e que na época era membro do comitê intersindical da greve e da comissão de salários da Elevadores Atlas.
O movimento, que durou quase um mês, resultou na vitória dos grevistas, com aumento salarial de 32% --principal reivindicação dos trabalhadores.
Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, no período de 1943 a 1951, o custo de vida em São Paulo havia aumentado cerca de 100%, contra apenas 14% do salário mínimo. "Todos estavam insatisfeitos com a perda do poder de compra do salário devido à inflação", explica Singer.
Para recuperar o poder de compra dos salários, os cinco maiores sindicatos de São Paulo --têxteis, metalúrgicos, gráficos, vidraceiros e marceneiros-- decidiram organizar uma greve conjunta.
Mesmo sendo ilegal desde o início --todas as greves estavam proibidas--, os sindicalistas não tiveram dificuldades de conseguir a adesão dos trabalhadores e a simpatia da população.
O sindicato dos médicos, por exemplo, se prontificou a dar assistência gratuita aos grevistas. Uma cozinha comunitária foi criada na Mooca, um dos principais bairros operários, para oferecer refeições para os grevistas.
"A participação foi bem maior do que esperávamos. Muitas mulheres e até mesmo um grupo de 20 adolescentes se juntaram às assembléias dos grevistas", conta Singer, que organizou piquetes na indústria Atlas.
"Era bastante cansativo. A gente participava de piquetes de manhã e depois seguia para as reuniões de avaliação do andamento da greve, que se arrastavam pela noite."
Mas o dia-a-dia da greve não foi pacífico. Confrontos com a polícia, que sempre acabavam com dezenas de operários presos ou feridos, se tornaram rotina na praça da Sé. "Para evitar, a nossa orientação era não fazer passeatas nas ruas, mas houve um "racha" no movimento: o PCB queria levar os grevistas para as passeatas de qualquer jeito."
Pressionados pela longa paralisação, os empregadores acabaram aceitando um acordo proposto pelo TRT (Tribunal Regional do Trabalho), pondo fim à greve no dia 23 de abril, e concedendo o aumento de 32%. Alguns sindicatos, como o dos tecelões, ainda mantiveram o movimento até que todos os sindicalistas presos fossem soltos.
Mas a volta ao trabalho não foi motivo de comemoração para muitos. Como represália, cerca de 400 metalúrgicos foram demitidos nos primeiros dias de trabalho. No caso dos tecelões, as demissões chegaram a mil --principalmente os sindicalistas, considerados "persona non grata" nas fábricas.
"Eu tinha certeza de que seria demitido", diz Singer. "Mas, para minha surpresa, os donos da Atlas entenderam que o que faltava era um elo de comunicação entre a empresa e os empregados, e resolveram montar uma comissão com os líderes grevistas para criar esse diálogo."
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http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u88207.shtml